“No dia 19 do corrente um grande grupo de escravos invadiu a Igreja da Povoação do Queimado na ocasião em que se celebrava o santo sacrifício da missa, e em gritos proclamava a sua liberdade, e alforria, e seguindo para diversas Fazendas e aliciando os Escravos delas e, em outras, obrigando os seus donos a doarem a liberdade a seus Escravos, engrossou em número de 300.” – Jornal Correio da Vitoria, 21 de março de 1849.
Neste ano de 2012, comemoram-se os 163 anos da “insurreição de Queimado”. Conta-se a historia de um grupo de Escravos que, cansados de esperar pela promessa de liberdade em troca da construção da Igreja em honra a São José, na localidade de Queimado.
Liderado por Elisiário Rangel , escravo de Faustino Antônio Rangel, que era a cabeça pensante do movimento libertário. Juntou-se a ele, nesta ação muitos negros ativistas e desejosos de liberdade, já cansados de promessas e pouca ação por parte dos poderosos da época. Um líder que se destacou nesta ação, foi Francisco de São José, vulgo Chico Prego.
Chico Prego era um nome pejorativo, Chico que é o diminutivo de Francisco e Prego, que vem do nome de um macaco da região. Chico Prego era um enorme negro, forte e destemido que ficou responsável pelas operações militares, recrutamento e animação dos escravos da Serra e das regiões vizinhas.
A Igreja de São José do Queimado demorou 03 anos para ser construída, utilizando mão de obra negra com a promessa de liberdade, feita pelo Missionário Italiano Frei Gregório Maria de Bene, que tinha sido transferido para a região e desejando homenagear o santo protetor São José com uma igreja e devido a falta de recursos, prometeu aos negros suas cartas de alforria em troca do trabalho na construção. A inauguração da Igreja foi marcada para o dia 19 de março de 1849, dia dos festejos do Padroeiro.
Animados com o anúncio de liberdade, para a festa se dirigiram negros das localidades de Jacaraípe, Uma, Tramerim, Pedra da Cruz. Às 15 horas do dia 19 de março, durante a celebração da missa inaugural, os Escravos interrompem frei Gregório, exigindo a alforria, promessa de liberdade feita em troca do trabalho na construção da Igreja de São José do Queimado.
Depois da invasão da Igreja, os revoltosos se dirigem as fazendas próximas juntando mais escravos e obrigando os proprietários a conceder a libertação. O número de escravos sobe para um total de 300 negros.
Alguns historiadores dizem que diante do medo que eles provocaram na população, as forças militares do estado são obrigadas a intervir e utilizando a força, mata grande número de escravos e prende os líderes, entre eles Chico Prego que posteriormente é enforcado no dia 11 de janeiro de 1850, na Vila de Nossa Senhora da Conceição da Serra, (Serra Sede). Para saber mais, visite o site: www.clerioborges.com.br.
Acontecem todos os anos, no dia 19 de março, que é a comemoração do dia de São José, a “Caminhada Noturna Zumbis Contemporâneos”. Esta caminhada simboliza a luta pela liberdade e a chamada Insurreição de Queimado. Alem de ser uma homenagem aos escravos que lutaram pela igualdade e pelo sonho de liberdade, também é uma forma de conscientizarmos de nossos direitos e da igualdade racial.
“O primeiro objetivo dessa caminhada é reviver, uma das ações que foi comum no tempo da escravidão, que era os negros saindo em caminhada durante a noite em busca de Quilombos, que era espaços de liberdade. Em primeiro lugar a caminhada noturna é uma possibilidade de negros e negras reviverem aquela caminhada em busca de espaço liberdade, que eram os quilombos. É por isso, que a intenção que nós damos ao tema da caminhada é que os zumbis dos palmares são os zumbis contemporâneos. E este ano, essa segunda caminhada dos zumbis contemporâneos em direção a queimado, é de Chico Prego com os zumbis contemporâneos, é um compromisso com queimado ontem, hoje e sempre. E por causa de Chico Prego, nós estamos tendo a possibilidade de a partir dessas caminhadas, que o 19 de março seja um feriado.” Declarou Marco Zumbi coordenador da caminhada.
As comemorações em homenagem a “Insurreição de Queimado” já se tornou uma tradição em todo o Estado Capixaba. São muitas manifestações realizadas, lembrando a luta dos negros há 163 anos, que simboliza muito bem a força e a garra deste povo. Chico Prego que é considerado um herói capixaba e empresta seu nome a “lei Chico Prego” da Serra/ES, de incentivo a cultura, e concede recursos financeiros a projetos culturais.
Este ano de 2012, aconteceu a Segunda Caminhada em comemoração aos 163 anos da insurreição de Queimados, iniciou-se com a concentração de varias pessoas e autoridades municipais, entre eles o Secretário de Esportes, Turismo, Cultura e Lazer da Serra, Salvador de Oliveira, Poetas e Escritores da Academia Serrana de Letras, Músicos, Grupos de Capoeira, Grupos Afro-Culturais, e um grande número de populares.
Durante a concentração podemos assistir a apresentação do Grupo de Capoeira do Mestre Cascão, de Feu Rosa e o Grupo de Capoeira Raiz da Força, de Vila Nova de Colares, do Mestre Faísca, juntamente com seus alunos e convidados. Um show de arte marcial, que segundo o Mestre Cascão tem a finalidade de proporcionar as crianças, aos adolescentes e aos jovens um maior sentimento de socialização e respeito às diferenças. A Capoeira é uma arte que busca a integração das pessoas na cultura e como forma de socializar. Muitos chegam sem saber da importância que a cultura negra tem para a formação cultural do Brasil, e aqui eles aprendem que ser negro não é ser menor, não é ser feio. É ser igual a todos.
Abrindo os shows musicais que, animou a concentração dos participantes da caminhada noturna, o Grupo de Cultura Afro Kisile, apresentando musicas de sua autoria e poesias em homenagem a Insurreição de Queimado. O Cantor Rafael Feijão vocalista do grupo e também participante do Movimento de direitos humanos da Serra, falou sobre o trabalho realizado pelo Grupo Kisile, que vai alem de apresentações musicais, mas também atua na conscientização da importância da igualdade racial no Brasil.
O Sambista Mizinho Du Samba, que mesmo com show agendado para o dia 18/03 em Marataízes, participou da caminhada e apresentou um samba de qualidade, cantando musicas autorais e também de conhecidos sambistas brasileiros. O Sambista falou ao Serra Notícias sobre o lançamento de seu novo CD que está previsto para os próximos dias e da alegria de participar pela segunda vez da caminhada noturna “Zumbis Contemporâneos”.
O Escritor Clério Borges, uma autoridade serrana na luta pelo incentivo a cultura. Um conceituado escritor e pesquisador da historia da Serra. Seu site é uma fonte de pesquisa para quem deseja conhecer a verdadeira historia serrana, suas personalidades. O Escritor Clério Borges foi o animador e locutor da primeira etapa da caminhada e responsável em manter a moral dos participantes.
Tivemos a participação dos Poetas Levi Basílio, do Poeta Teodorico Boa Morte e do poeta Ferreiro Djah, que presentearam a todos com a boa poesia Serrana.
Com a saída exatamente as 00:00 horas, do dia 18/03, no local onde foi erguida uma estatua de 4 metros, com 4 toneladas, confeccionada pelo Artista Plástico Jacob Kuster (Tute), em homenagem ao líder negro Chico Prego, que conforme relata a historia foi enforcado nas proximidades.
Marco Zumbi Filosofo, Escritor, Professor, Afro-militante e coordenador da caminhada “Zumbis Contemporâneos”, falou ao Serra Notícias, sobre a importância de manter viva na mente da população serrana e principalmente dos jovens a luta pela liberdade e igualdade racial que há 163 anos foi deflagrada pela liderança negra em Queimado.
“O movimento negro encontra uma dificuldade muito grande de articulação não só no município da Serra, mas em todos os municípios do estado e no Brasil. O que podemos ver é o seguinte, que atividades diferenciadas como essa, a partir do fórum de Chico Prego, a caminhada noturna possa ajudar outros negros e negras a se envolverem nesse trabalho, que é um trabalho árduo, mas muito necessário para que a gente possa pensar numa sociedade, onde todos os grupos tenham os mesmos direitos, iguais nós não vamos ser nunca, mas que tenhamos os mesmos direitos.” Declarou Marco Zumbi.
Quem participou ativamente da caminhada foi o Secretario de Esportes da Serra Salvador de Oliveira, ele que disse que só havia caminhado em toda sua vida 13 quilômetros, iria fazer o Maximo para completar o percurso noturno que tem aproximadamente 16 quilômetros, saindo de Serra Sede, ate as ruínas da igreja de São José de Queimado. Segundo o Secretário,
“A caminha mais longa que já fiz foi 13 quilômetro, e hoje vou bater o Recorde. A minha intenção nesse momento, que está no meu coração e ir até o final da caminhada. Só Deus sabe, por que esta vai ser para mim uma experiência inédita.” Declara o Secretario Salvador de Oliveira.
A diretora do Departamento de Promoção racial da Secretária Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Fátima Tolentino em entrevista ao Serra Noticias, falou sobre o trabalho realizado pela administração de Sergio Vidigal, na conscientização da cultura negra nas escolas da Serra. Falou sobre a necessidade da articular entre o poder publico e a sociedade civil na questão da igualdade racial, deixou claro que não é apenas igualdade racial da população negra, mas como um todo. Hoje tem uma maior demanda da população afro-descendente, devido à falta de oportunidades. A população afro-descendente que vem a muitos anos sendo informada e formada de forma errada provocando assim a crença de que todo negro é descendente de escravos e que agora há uma necessidade de mudar esta forma de consciência. Muitos afro-descendentes vêm de famílias nobres do continente africano. Com esta nova conscientização há um aumento na baixa alto-estima.
A caminhada seguiu com muita animação pelas ruas de Serra Sede, passando pelo prédio da Prefeitura e se dirigindo a antiga prefeitura, onde foi realizada a primeira parada em frente à residência da família Nunes, que curiosamente está localizada no marco zero da cidade da Serra, cujo patriarca foi o Senhor Antonio Francisco Nunes.
De acordo com o escritor Clério Borges, essa família pode ser considerada o “verdadeiro quilombo urbano”. A família Nunes representa o povo Negro da região e também representa a luta de Queimado. A família Nunes foi homenageada pelos participantes, organizadores e pelo Secretário de Cultura, Turismo, esporte e lazer, Salvador de Oliveira na pessoa da Senhora Jonilda Nunes de Souza.
A partir daí inicia-se a primeira etapa da caminhada noturna dos zumbis contemporâneos, em direção as ruínas de Queimado. Durante essa etapa o escritor Clério Borges e o escritor Marco Zumbi, utilizaram o carro de som para contar-nos a historia da Insurreição de Queimado. Preparando assim, os participantes a uma reflexão sobre a história cultural da Serra e também do Brasil.
Nessa primeira etapa, foi nos apresentado musicas e poesias de autoria do poeta e escritor Teodorico Boa Morte, que juntamente com sua esposa, que apesar de apresentar fortes dores no joelho, caminhavam resolutos e animados a frente do cortejo. O Secretário Salvador de Oliveira, que mesmo tendo participado de varias manifestações políticas, durante o dia anterior estava muito feliz por participar da caminhada.
Aproximadamente às 01:30 da manhã do dia 18/03, chegamos ao Sítio Recanto do Mestre Álvaro, de propriedade do Senhor Gil e da Senhora Elana. Que recebeu a todos com muita amabilidade e um farto e delicioso lanche composto de bolos de vários sabores, pães, canjica, caldos quentes, café, frutas, refrigerantes, leite queimado etc. Essa parada estratégica, fez se necessária, para proporcionar aos participantes da caminhada noturna dos Zumbis Contemporâneos, um período de descanso e confraternização.
Sentados a sombra de uma parreira, e sob as arvores, que nos remete a lembrança das antigas rodas de fogueira, onde se contava causos, pelos antigos moradores de comunidades rurais, podemos assistir ao filme “Insurreição de Queimado”. Que conta em ricos detalhes a história que vivenciamos neste momento. Após o filme, houve um breve espaço de perguntas e respostas, onde o escritor Clério Borges, o escritor Marco Zumbi, o poeta e escritor Teodorico Boa Morte responderam aos questionamentos de todos.
Os poetas Levi Basílio, Teodorico Boa Morte e Ferreiro Djah declamaram diversas poesias que faziam referencias a luta negra em busca da liberdade. Os músicos do grupo de cultura afro Kisili, apresentaram musicas de artistas nacionais e musicas de sua autoria.
Exatamente as 04:00 horas da manha do dia 18/03, após um exercício de alongamento e respiração, sob a coordenação do poeta Ferreiro Djah, e palavras de agradecimentos aos proprietários do Sitio Recanto do Mestre Álvaro, iniciamos a segunda etapa da caminhada.
Nesta etapa, de acordo com os organizadores os participantes, seguiram sem o carro de som. De acordo com o coordenador da caminhada, Marco Zumbi, o silêncio se fazia necessário para que os participantes interiorizassem as informações até ali recebidas.
Essa segunda etapa, teve a chegada exatamente às 07:00 do dia 18/03, as ruínas da Igreja de São José de Queimado. Se não bastasse, todo sentimento de companheirismo entre todos os participantes, as belezas dos montes e exuberante paisagem ao raiar do sol, a emoção de visualizar as ruínas da igreja e sentir vibração cultural que emana de suas pedras é indescritível.
*********************************************************************************************************************
Vejam mais fotos em nossa página do Facebook. (click aqui)
*********************************************************************************************************************